O filé-mignon é gay!

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Conselho aos leitores mais conservadores: este post, quilométrico, cuida de assunto polêmico-apimentado. Para alguns ou muitos, conterá sensualidade excessiva ou imoralidade explícita. Como não quero ferir suscetibilidades nem deixar ninguém danado-da-vida, por favor: não leia!

(É o mesmo que dizer: leia, leia, leia! Sou mais canalha do que mereço, e pareço.)

Por desconto, reafirmo que, apesar de rematado canalha, sou apenas um velho churrasqueiro meio fantasioso, não um especialista em elucubrações eróticas.

Mas que a coisa faz sentido, faz.

A maluquice começa com um leitor do blog, Guilherme Weber, um churrasqueiro catarinense que mora na Holanda e presta serviços de consultoria para churrascarias daquele simpático e florido país. Queria ajuda para solucionar um problema que enfrenta no dia-a-dia: explicar aos clientes a origem do nome dos cortes brasileiros, como o “cupim”, por exemplo.

Como a minha curiosidade nada mais é do que um faro miserável para arranjar encrenca, fui além: mais que pesquisar a origem do nome dealguns cortes brasileiros, razão bacana para outros posts, corri atrás do mais universal de todos: o filé-mignon.

Por quê “filé” e porquê “mignon”?

Bem, como toda velha senhora de respeito, generosa, um tanto sisuda, mas jeitosinha, misteriosa e cheia de surpresas, dona Etimologia apareceu para ajudar.

E foi a distinta que, inobstante seus célebres recato e frieza conceitual - coisas da Academia - me deu a notícia num tom bem coloquial, quase entusiasmado. Não fosse o susto com a revelação, poderia jurar que a voz grave e ainda aveludada da velha-senhora-jeitosinha carregava discretos indícios de êxtase e languidez.

Ou ironia.

Ceguinho, Ceguinho, meu filho,…o filé-mignon é gay!

Quêquéilso, dona Etimologia? Até a senhora?

Isso mesmo, caro Ceguinho: gayzinho-da-silva-de-oliveira-quatro, com direito a certidão de nascimento, exame de DNA, pensão alimentícia e o escambau! Gay-zís-si-mo!

Deixadilso, dona Etimologia. Pra cima de moi? Quer me arranjar problemas com a comunidade mais “alegre” do planeta?

Ceguinhoooô, por quê as aspas? Num vai me dizer que você é homofóbico? Eu, não, dona Etimologia. Quê que tenho com a vida das outras pessoas? Muita coisa, churrasqueirozinho de meia-tigela. Me diz uma coisa, você já foi numa Parada Gay? Fui, não, dona, tô sempre trabalhando. Bela desculpa, hein, meu filho? Né, não! Minha filha e minha mulher já foram e se divertiram muito! Menos mal, menos mal. Isso demonstra, pelo menos, que você é simpático à causa.

Eu? À causa?

É, Ceguinho, o “s” do GLBTS. À causa gay! Tá bom, dona Etimologia, posso até me incluir entre os simpatizantes, só não me considere um vestibulando, pelamordedeus!? Ceguinho, você não presta. Eu sei, mas o que tenho a ver eu com o estado d’alma, com a identidade sexual das pessoas? Ser feliz aqui é o que importa. É um direito da Humanidade, de qualquer cor, de qualquer gênero. Não acredito nessa coisa de “contas a pagar” depois que o Zé-Maria nos leva para passear no etéreo. Maniqueísmos me aborrecem.

Meldelz, Ceguinho, cê é ateu?

Peraê, dona Etimologia, vamos deixar minhas convicções de lado e partir para o que interessa? A senhora acha que meu poucos e pacientes leitores têm tempo para digressões personalistas? Desculpe, Ceguinho, é que sempre me empolgo, ainda mais provocada por você. Apenas um último conselho: na próxima Parada, dá um tempo no trabalho e leva uma faixa bem grande: “O filé-mignon é gay”. Cê vai fazer o maior sucesso. Business is business...mon cher (hoje eu tô poliglota, queridinho, e nada ortodoxa!). Cê vai arranjar clientes a dar-com-o-pau. Calma, dona Etimologia, certas expressões, em certos contextos, bem o sabe a senhora, não caem bem. Meu filho, tô velha demais para certos preciosismos. E não morri. Comigo, ajoelhou, tem que rezar!

O pior é Dona Etimologia parece ter razão.

Não quanto à idéia de eu levar a tal faixa (isto, nunquinha), mas ao seu conteúdo. E o único sucesso que consigo vislumbrar para mim, velho, encarquilhado e barrigudo carregando uma faixa numa Parada Gay, é o de ser chamado, no mínimo, de “tia” pelos alegres rapazes e moças. Tô fora!

Ao que interessa.

Interessa mesmo? Sei lá.., mas que é curioso, é.

Pois bem, pesquisei primeiro “mignon”.

E num vou simplesmente copiar os verbetes consultados, prefiro correr o risco da interpretação (livrezérrima...já que o tema é gay), e óbvia...

O termo “mignon” vem do francês, foi datado no século VII e já queria expressar “homem que se presta à lubricidade de um outro”.

Gélzuis!

Cá, comigo, pensei: um efebo. Quis ir até à Grécia, pródiga em rapazes delicados e imperadores viris, alguns nem tanto. Distante demais. Então lembrei de Antínoo, o misterioso adolescente bitínio e o “preferido” de Adriano, o 14º Imperador de Roma, cuja vida foi magistralmente romanceada por Marguerite de Yourcenar, em “Memórias de Adriano”. Antínoo representa, com perfeição, o que “mignon” queria significar. A propósito: o jovem efebo suicidou-se. Po amor a Adriano. Úi!!!

No transcurso do século XV, certamente pelas arejantes influências do Renascimento, que esmagava a bolorenta Idade Média mandando-a para a ala mais triste e pavorosa do vasto cemitério da História, o significado_de mignon ficou mais explícito: “amante”, “favorito”, “gracioso”, “agradável”. Até ensaiarem uma vã mistura de gêneros: “pessoa jovem graciosa, galante, charmosa”. Conta-se, ainda, e isto é o mais relevante, que a origem de “mignon” estaria na palavra “minet” (gatinho) ou de um radical(miñ-) que expressava originalmente “a “gentileza”, a “graça”, ao qual teria sido acrescentado o sufixo “on”.

Quanto ao “minet”, e os mais velhos entenderão, não aconselho pesquisas no Google.

Conclusão: originalmente, o termo mignon, nada tinha a ver com “carne” bovina, mas com a humana, masculina e jovem. Portanto, um outro tipo de “gatinho”. Jovencitos, tenros e delicados, “que se prestavam à lubricidade de um outro”. Poderiam até “miar”, o que não duvido, ô, mas que eram humaníssimos, eram.

Daí, para mentes poluídas como a minha, infere-se que o “consumo” de mignon, naquela época, não estava ligado às churrasqueiras ou às cozinhas, mas ocorria à beira delas ou em suas periferias, com outros propósitos, tendo-se por certo que o apetite que sobre ele recaía estava longe de ser “gastronômico”

Mignon designava, ora pois, algo mais humano do que poderíamos imaginar. Menos carne bovina ou de outra rês qualquer.

E o filé?

Aí é que a coisa esquenta!

Também vem, claro, do francês e foi datado mais tarde, no ano 1180. Queria significar, inicialmente, “o que tem o aspecto de um fio esticado”. Ai, Gelzuis, não deixe a minha imaginação ferver! Até que, no ano 1393, a última flor do Lácio, nossa nobilíssima Lingua Portuguêsa, antes de parido o Brasil, resolveu registrá-lo como “filete”, e, pasme, já para significar “peça de carne macia, situada na região lombar dos animais”.

Repita-se: “peça de carne macia, situada na região lombar”.

Os portugueses são ótimos! E precisos.

Aí, dá para imaginar, numa interpretação absolutamente maluca, o seguinte:

Nos primórdios, “mignon”, lá na França, era apenas “gatinho”. Um bichinho graciosinho, como todos os gatinhos. Tão gracioso que emprestou sua graça para designar o que, na época, seria um rapaz com trejeitos iguais. Também amante, daqueles que serviam às paixões de um outro; e, depois, mais genericamente, jovem, novo, pequeno, tenro, agradável, numa sorte infindável de metáforas e metonímias mil; e, mais adiante, viria a ser utilizado para apelidar – creio que, para o resto dos tempos - o termo filé, que já significava “a peça de carne muito tenra que se situa na região lombar de uma rês”.

Resumo: Durante um tempo, “filé” cumpria tranquilamente sua missão significar e especificar certa parte da rês. Mas à esta parte, tão macia, nobre e especial faltava algo que lhe conferisse a devida personalidade. Um caráter existencial. Algo que, no plano da realidade, fosse compatível com seus traços, meus deuses, organolépticos. Apenas “filé” era pouco.

Quem buscou – e emplacou - o “mignon” para dar brilho e personalidade ao simples filé, mais que criatividade, tinha perfeita noção da carga simbólica que a palavra trazia nas costas (hoje, estou infame).

Moral da história? Ainda não sei.

Só sei que o filé-mignon é gay.

Em tempo, a fonte de pesquisa foi o Houaiss.

Por último, um detalhe: a carne que você encontra no varejo é de gado “macho”. Não que todos os boizinhos, sem acento e sem ipsilone, outra infâmia, sejam ou não gays, peralá! O que quero dizer é que todos trazem uma porção gay dentro de si. Valorizadíssima e universal, o corte mais conhecido no planeta.

Tão universal quanto deveria ser o direito – humaníssimo – das pessoas serem felizez, gays ou não.

É, talvez esta seja a irônica moral da História, não da “estória”.

5 comentários:

Anônimo disse...

Parabensssssssssssss, muito interessante e convidativo ate o momento em que teminamos de ler, fiquei agora pensando "nas alturas" o que poderia a vir com os outros nomes dos cortes...rsrsr muito bem elaborado...abraços

Nana disse...

kkkkkkkkkkkk Morri de rir aqui!
Amei o texto, ui kkk
Bjs

Marina (a filha) disse...

UHAUAHUHUHHAUHUAHHUSUHUSHUHAHUAHUAHUAHUSHHSHSUHUHUA
Fazendo juz ao texto:
AA-D-O-R-EEEE-I MININAAA!ARRAZA NEEEM!
Parabéns pai, verdadeiro orgulho de filha, valeu?!
beijoos

Vany disse...

Amei o texto!!! De ceguinho você nada tem... Parabéns!!!

Sara disse...

Às vezes, para escrever a verdade é que você tem que ser criativo, eu espero que um dia eu possa escrever coisas como você está, e que alguém como eu lê-los enquanto você está esperando para ir jantar em um restaurantes em vila madalena